Cherreads

Chapter 1 - Capítulo 1 – Todos são vilões

Os oito ou nove anos de um menino são a idade em que até os cachorros perdem a paciência. Chen Shi já tinha onze — já passara da fase em que até os cães o detestavam —, mas sua travessura parecia não ter fim. Tornara-se o pequeno tirano da vila de Huangpo: por onde passava, deixava galinhas, cães e patos em alvoroço. Até um pato que cruzasse seu caminho precisava botar um ovo de susto antes de ir embora. Em resumo, era odiado por todos — gente e bicho.

Naquela manhã, depois de tomar o café, Chen Shi largou a tigela e correu para fora, gritando:

"Vovô! Vou brincar!"

O avô, um homem alto vestindo uma túnica preta bordada com grandes peônias, estava em pé diante do altar da sala principal. Sem levantar a cabeça, respondeu com a voz rouca e grave:

"Não vá muito longe. E não chegue perto do rio. Volte cedo para o almoço…"

"Tá bom!"

Antes que o avô terminasse a frase, Chen Shi já havia sumido como o vento.

O velho continuou de pé diante do altar, mastigando devagar. Engoliu com esforço, a maçã do rosto se movendo lentamente — e então, pegou a vela na mão e a colocou na boca, mordendo um pedaço. Mastigou a cera como se fosse comida.

Sobre o altar havia dois castiçais e um incensário. Um dos castiçais já estava quase reduzido à base, a vela completamente comida. O incenso queimava até o fim, soltando o último fio de fumaça.

O avô deixou de lado a vela meio comida, acendeu novos palitos de incenso e os colocou no incensário. Inalou profundamente a fumaça, com expressão de êxtase.

Atrás do incensário, um memorial negro erguia-se em posição de destaque — um tablete espiritual.

O nome gravado nele era justamente o do avô.

"Em memória do espírito de Chen Yindu, da família Chen — virtude ancestral que perdura."

"De barriga cheia, não preciso comer gente." — murmurou o velho.

Enquanto isso, Chen Shi espancava o cachorro da avó Yu Zhu até fazê-lo uivar de dor. Depois, liderou uma matilha de três ou quatro cães da vila e travou uma guerra canina contra os cães da aldeia vizinha. Voltou vitorioso, só para subir numa árvore e roubar ninhos — acabou sendo bicado pela mãe-pássaro e quase caiu de cabeça no chão.

Pouco depois, com uma cobra morta pendurada num galho, foi assustar Er'ni, a menina da beira-leste da vila, que chorou chamando pelo pai e pela mãe. Mais tarde, invadiu a plantação de melões da velha Wu Zhu e roubou um. A anciã, furiosa, o perseguiu por quase três quilômetros antes que ele conseguisse escapar.

Assim transcorria uma manhã comum e simples na vida de Chen Shi.

Ao meio-dia, chegou ao rio Yudai, nos arredores da vila. O calor fazia o suor escorrer, mas ele se conteve e não entrou na água.

Do meio do rio vinham risadas e sons de brincadeira. Três garotos da sua idade brincavam de guerra d'água, se divertindo.

Eram três fantasmas d'água — garotos que haviam se afogado dois anos antes. Chen Shi não ousava se juntar a eles.

Na última vez em que pulou no rio para nadar, esses três o arrastaram para as águas profundas: um agarrou-lhe os pés, outro o abraçou pela cintura e o terceiro apertou seu pescoço. Ele quase morreu afogado.

O avô mergulhou e espancou os três espíritos até que o soltassem.

"Chen Shi! Vem brincar com a gente!" — chamou um dos garotos.

Os outros dois sorriram inocentes e acenaram também:

"Vem, vamos brincar! Fica mais divertido com quatro!"

O mais velho entre eles gritou:

"Não tenha medo, não é fundo! A água mal chega na cintura!"

"Anda logo! Brincar sozinho é chato!"

Chen Shi os ignorou e caminhou até uma velha salgueira na encosta de Huanggangpo.

Os três garotos permaneceram no meio do rio, mas cessaram as risadas. Os sorrisos sumiram, e seus corpos começaram a afundar lentamente.

"Maldito filho da família Chen! Um dia você vai se afogar e virar nosso substituto!" — gritou um deles, antes que a água cobrisse suas bocas, narizes, olhos e cabeças. Então sumiram.

Da copa da árvore, um par de pés pendia, balançando diante de Chen Shi.

Um erudito enforcado balançava ali. Ao ver o menino olhando para cima, esticou a língua vermelha e comprida, quase um palmo de fora.

Chen Shi não ligou. O corpo daquele estudioso já se desfizera há muito tempo; só o espírito permanecia preso ali.

Ele contornou a árvore, colocou um pedaço de melancia diante de uma lápide na base do tronco e fez uma reverência:

"Madrinha, vim te visitar de novo. Trouxe uma melancia docinha pra você."

Aquela lápide era sua madrinha. Quando Chen Shi era pequeno, o avô dissera que ele tinha uma vida fraca e precisaria de uma madrinha de destino forte para protegê-lo. Assim, levara-o até a salgueira torta e o fez se ajoelhar diante da pedra, jurando-a como madrinha.

Desde então, em todo feriado e festival, ele vinha oferecer incenso e comida à madrinha de pedra — como manda o costume do interior.

No campo, muitos fazem isso: uns tomam árvores antigas como madrinhas, outros pedras misteriosas, portas de templos, até imagens quebradas em colinas — tudo em busca de proteção contra o mal.

O avô dizia que aquela pedra era antiga e poderosa, capaz de proteger Chen Shi, por isso o fez adorá-la.

Mas nos últimos anos, o garoto nunca sentira nada de sobrenatural vindo dela.

A pedra era velha, com inscrições desgastadas — vislumbravam-se caracteres como "Deusa" e "Guardião". Outras partes estavam enterradas, presas sob raízes da velha árvore.

Depois de se ajoelhar e orar, Chen Shi murmurou:

"Madrinha, o vovô anda cada vez mais estranho. Está sempre de costas pra mim. Faz dias que não vejo o rosto dele. E ele vive comendo escondido... Não sei o quê. Ontem de manhã, várias galinhas morreram lá em casa. Não foi raposa, nem doninha — esses bichos não se atrevem a chegar perto da nossa casa..."

A pedra não respondeu.

Mas, talvez por ilusão de ótica, Chen Shi teve a impressão de ver um brilho fraco percorrer as inscrições — e logo desaparecer.

Sem se importar, acendeu alguns palitos de incenso e os fincou na terra diante da pedra.

O erudito pendurado na árvore balançou as pernas, ansioso.

"Também tem um pra você." — disse o menino.

Acendeu mais um palito e o colocou aos pés do estudioso. O fantasma inalou o cheiro do incenso e fechou os olhos, em êxtase.

Chen Shi se espreguiçou, deitou sob a sombra da árvore, as mãos atrás da cabeça. Não tinha medo nem do erudito enforcado nem dos fantasmas d'água. Desde que se lembrava, podia ver os "mortos" que outros não viam — e já se acostumara.

"O vovô deve estar terminando o almoço… mas a comida dele anda cada vez pior. Ontem o frango ainda tava cru, sangrando no prato. Madrinha, acho que ele anda esquisito… como se quisesse me comer." — falou, mordendo um talo de capim, o olhar distante, maduro demais para a idade. "Ontem à noite ele fez um remédio e mandou eu me banhar no caldeirão… Mas ele deixou o fogo alto demais, a água começou a ferver. Acho que ele queria me cozinhar."

Depois de um tempo, o espírito do erudito terminou o incenso, esticou as pernas e disse:

"Pronto. Pode perguntar agora, Xiao Shi."

(Xiao Shi era o apelido de Chen Shi. Alguns o chamavam de "Xiao Chengshi", "Pequeno Honesto" — ironicamente.)

Chen Shi relaxou, tirou um velho livro e perguntou enquanto lia:

"Tem uma frase que não entendi. 'Confúcio disse: Quem primeiro fez bonecos funerários, que não tenha descendentes.' O que quer dizer?"

A vila de Huangpo era remota e pobre, sem escolas. Chen Shi nunca pôde estudar, mas o espírito pendurado na árvore fora um homem letrado. Assim, o garoto encontrara alguns livros antigos em casa e, sempre que podia, vinha à árvore pedir explicações ao "mestre fantasma".

Depois de absorver o incenso, o estudioso respondia com prazer às dúvidas do garoto. Assim, apesar da pouca idade, Chen Shi já lera muito.

"Essa frase," — disse o espírito — "quer dizer que o Mestre Confúcio avisava: o primeiro que me irritar... eu acabo com a linhagem dele."

"Então, Confúcio nos ensina que, quando alguém nos ofende, é preciso arrancar o mal pela raiz."

Chen Shi assentiu, meio confuso. Depois leu outra passagem:

"Já que veio, acomode-se. O que significa?"

"Significa: se o inimigo veio... deixe-o ficar. Enterre-o aqui mesmo."

"E esta: 'O rio corre incessante, sem dia nem noite.'?"

"Quer dizer: o Mestre estava à beira do rio dizendo — o verdadeiro sábio deve ser como eu, vendo os corpos dos inimigos boiando sem parar, noite e dia, rio abaixo. Confúcio era formidável, matou tantos que cobriu o rio de cadáveres. Nós, estudiosos, devemos aprender com ele."

Chen Shi terminou suas dúvidas, admirado com as respostas.

"Quando eu crescer, quero ser como o Mestre: conquistar as pessoas pela virtude!" — E, curioso, perguntou: "Mestre Zhu, o senhor é tão inteligente… por que se enforcou aqui?"

O espírito suspirou fundo e respondeu entre soluços:

"Hoje em dia, a corte está dominada por corruptos. Gente vil controla o destino dos estudiosos. Tentei dez vezes o exame imperial e nunca passei. Envergonhei os sábios e minha família. Preferi acabar com tudo aqui mesmo."

Antes que terminasse, ouviu-se o som de rodas se aproximando.

Chen Shi fechou o livro e olhou. Pela estrada vinham cavalos vigorosos escoltando uma carruagem luxuosa.

Homens fortes montavam os cavalos, vestidos com uniformes vermelhos de voadores de peixe — os Jinyiwei. Seus olhares eram cortantes.

"Senhor, há uma criança ali!" — disse um dos cavaleiros à mulher dentro da carruagem.

Uma voz feminina respondeu de dentro, risonha:

"Uma criança? Ótimo. Crianças são puras, fáceis de lidar. Não causarão complicações. Fang He, vá falar com ele."

"Sim!"

Um dos homens desmontou, aproximou-se com um sorriso gentil e uma pequena pepita de prata na mão.

"Garotinho, toma, compra um doce. Só quero te perguntar uma coisa. Você viu por aqui algumas crianças… diferentes? Que parecem vivas, mas não são? Como… bonecos de porcelana?"

O espírito de Zhu advertiu de cima:

"Xiao Shi! Não fale com ele! Esse homem é Jinyiwei — cão de guarda dos poderosos, não tem boas intenções! O dinheiro deles compra vidas — aceite e perderá a sua!"

A dinastia Ming ainda existia, mas o poder imperial enfraquecera. Os Jinyiwei não serviam mais ao imperador — agora eram guarda-costas e assassinos das grandes famílias aristocráticas.

Chen Shi olhou para a prata, tentado, mas balançou a cabeça.

"Meu avô diz pra não pegar nada de estranhos."

O homem manteve o sorriso:

"Eu me chamo Fang He. Antes não nos conhecíamos, mas agora você sabe meu nome — então não somos mais estranhos, certo? Isso é um presente de um amigo."

O garoto sorriu e pegou a prata.

"Pronto," — disse Fang He — "agora que somos amigos, pode me contar: viu aquelas criancinhas de porcelana?"

Chen Shi assentiu:

"Você tá falando daquelas criaturinhas de menos de um palmo, que andam em grupo?"

Os olhos de Fang He brilharam. Ele se virou apressado:

"Senhorita! Eles estão aqui…"

Antes que terminasse, uma silhueta saltou da carruagem. Um aroma delicado invadiu o ar. Uma mulher de roxo, bela e serena, apareceu sob a árvore.

Os outros guardas desmontaram e cercaram os dois.

A mulher, de pele alva e traços elegantes, vestia a túnica dos Jinyiwei na parte superior e uma saia cavalo de roxo na inferior. Seu rosto mostrava emoção contida, e ela sorriu com suavidade:

"Irmãozinho, você viu essas criancinhas de porcelana? Onde elas estão?"

Chen Shi não respondeu. Fitava, intrigado, o ombro da mulher.

Ela, confusa, olhou o próprio ombro — nada viu.

"Pequeno, a senhorita tá te perguntando!" — rugiu um dos guardas, dando um passo à frente.

Mas o menino desviou o olhar, porque viu que os pés do erudito fantasma estavam apoiados sobre os ombros dela.

Ela estava exatamente sob o ponto onde o estudioso se enforcara.

A mulher lançou um olhar frio ao subordinado:

"Atrevido!"

O homem recuou imediatamente.

A mulher retomou o tom suave:

"Pequeno, viemos de Xinxiang. Não somos pessoas más…"

Chen Shi levantou o rosto e sorriu:

"A irmã mais velha é tão bonita! Mais bonita até que o Mestre Zhu!"

A mulher ficou satisfeita com o elogio, pensando:

Criança esperta. Vou deixá-lo morrer inteiro. Esse nome, Zhu, não soa feminino… deve ser alguma mulher bonita da vila. Pobres caipiras, sempre dão nomes estranhos.

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