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Chapter 3 - capítulo 3: Demônio virtual

Kira despertou com um zumbido agudo nos ouvidos, a cabeça latejando onde a coronha do rifle de Taka a acertara, uma dor que não era apenas física, mas digital — como se seus circuitos neurais gritassem sob um ataque de malware. A escuridão da inconsciência cedeu a uma luz branca e estéril, que queimava seus olhos, os implantes superaquecendo com estática que faiscava nas suas retinas aumentadas. Presa em uma cadeira de contenção de titânio, seus pulsos e tornozelos estavam imobilizados por algemas magnéticas, pulsando com eletricidade estática, agredindo sua pele com choques sutis. Fios neurais, finos como cabelo, conectavam-se aos portos de seu implante e enviavam um formigamento invasivo, como se infiltrassem um Cavalo de Troia corporativo em seus circuitos. O ar, frio e carregado, misturava o cheiro asséptico de desinfetante químico com o leve odor de ozônio de máquinas sobrecarregadas.

​Seus olhos piscaram, ajustando-se à câmara de interrogatório da NeuroTech. Paredes de vidro reforçado refletiam luzes LED azuis, enquanto servidores zumbiam ao fundo, como um coro mecânico. À sua frente, uma tela flutuante exibia fragmentos do "Dimensões Despedaçadas": visões de realidades paralelas — um Neo-Tóquio sob um céu limpo; cidades de pedra, livres de corps; oceanos de luz líquida — agora uma provocação cruel, girando em loops intermináveis.

​"Acordada, Voss?" A voz suave e venenosa de Hiroshi Vex cortou o silêncio. O CEO da NeuroTech, com implantes faciais de platina brilhando como ouro líquido, encarava-a, seus olhos aumentados pulsando com fluxos de dados em tempo real, frios como o núcleo de um servidor. Ele girava o chip iridescente de Kira entre dedos revestidos de nanofibra, exalando riqueza desumanizada.

​Kira tentou falar, mas sua voz saiu rouca. "Taka...", murmurou. A traição do homem de cromo era um bug corrosivo em seu sistema de confiança, fragmentando cada linha de código que a fazia acreditar nele.

​Hiroshi riu, um som que ecoou na câmara, como um erro de áudio. "Taka Nimura? Um dos nossos melhores ativos. Ele te entregou direitinho, não foi? Cada passo seu foi monitorado desde que roubou esse chip da Synthara. O vírus? Neutralizado. Os servidores do 'Dimensões Despedaçadas'? Intocados. Mas você, Kira... você é o verdadeiro prêmio."

​Ele se aproximou. O hálito metálico de seus implantes invadiu o espaço dela. Ela tentou acessar seu implante, mas os fios bloqueavam seus comandos, enviando feedback que fazia sua visão tremer. "Você não vai abrir o portal," cuspiu. "É instável. Vai engolir você e sua Corp inteira."

​Hiroshi inclinou a cabeça, o sorriso afiado se alargando. "Instável? Talvez. Mas a NeuroTech domina instabilidades, e você, Kira, tem um papel especial nisso." Ele gesticulou. "Criminosa procurada, sem direitos, sem proteção... você é a chave perfeita."

​Kira cerrou os dentes. "Chave pra quê? Você já tem o chip. O que quer com minha cabeça?"

​Hiroshi se aproximou, os olhos brilhando com intensidade maníaca. "Você conhece o vírus demônio?"

​"Aquela história pra nanos dormirem?" retrucou Kira.

​"Não, não, não são só histórias," disse Hiroshi, a voz febril, quase vibrando com loucura. "O grande demônio existe, uma entidade além das dimensões, e eu vou usar o 'Dimensões Despedaçadas' pra trazê-lo. Seu corpo, Kira, com os implantes que instalamos..." Ele apontou para os fios. "Será o receptáculo perfeito. Controle?Digamos que temos rédeas... frágeis, mas suficientes."

​Kira sentiu um arrepio. "Você é maluco," cuspiu. "Acha que pode domar algo assim? Vai te queimar primeiro."

​"Maluco? Talvez. Mas a NeuroTech não constrói deuses sem rédeas." Ele gesticulou, e dois guardas ciborgues avançaram. Eles desativaram as algemas da cadeira, mas mantiveram os fios neurais conectados, arrastando Kira rumo a uma câmara maior.

​A câmara era um colosso de tecnologia quântica. O núcleo do "Dimensões Despedaçadas" pulsava no centro. O ar vibrava com energia estática, e o cheiro de ozônio ardia na garganta de Kira.

​"Comecem a ativação," ordenou Hiroshi.

​A máquina rugiu. O chão tremeu. Um buraco de minhoca se abriu no centro, uma fenda negra pulsando com bordas de energia roxa, rasgando o tecido do espaço com um som de seda sendo estraçalhada. Dois olhos vermelhos, brilhando como brasas em um abismo sem fundo, surgiram dentro do buraco, pulsando com uma inteligência alienígena que já tentava forçar um upload em seu implante.

​Então, uma criatura negra emergiu, sua forma um amálgama de sombra líquida e tentáculos de código, pulsando com glitchs que desafiavam a lógica. Os olhos vermelhos queimavam com uma fome que não pertencia a este mundo.

​De repente, a máquina começou a apresentar defeitos: painéis piscavam erraticamente, faíscas saltavam dos cabos, e um alarme estridente cortou o rugido. A criatura lançou um tentáculo de sombra contra o vidro reforçado, rachando-o com um estalo.

​Kira tremeu. Sua tontura se tornou um código invasivo; a dor de cabeça, a instalação forçada de um sistema operacional alienígena. Desesperada, ela forçou sua consciência contra os fios neurais, buscando um backdoor. Com um esforço que queimou suas sinapses, encontrou um circuito mal mapeado e tentou sobrecarregar o sistema. O Fragmento, sentindo a resistência, sibilou em sua mente como um vírus ganhando privilégios de administrador. A máquina rugiu mais alto, e os fios contra-atacaram com um choque brutal.

​O vidro se estilhaçou com um estrondo, e uma explosão de luz cegante engoliu a câmara, como se a realidade tivesse colapsado.

​Kira abriu os olhos. Flutuava em um vazio infinito, onde estrelas de código brilhavam em padrões impossíveis. Pela primeira vez em anos, sentiu paz. O Fragmento silenciou-se, momentaneamente sobrecarregado.

​Mas a paz durou pouco. Sua pele roçou algo áspero. Kira abriu os olhos, o sistema de visão reiniciando. O cheiro de terra úmida e erva substituiu o ozônio, misturado ao aroma de óleo e metal enferrujado. Vozes rudes, com sotaque caipira, cortaram o silêncio, acompanhadas pelo clangor de engrenagens e o sibilar de vapor.

​"Num sei quem é essa moça, pai, mas tá respirando," disse uma voz jovem, arrastada.

​"Leva ela pra casa, rápido," respondeu outra. "Essa coisa esquisita na cabeça dela... num é normal, parece um troço de ferreiro a vapor."

​Kira tentou se mover, os implantes zumbindo em erro, como se rejeitassem o ar denso de vapor e poeira. O peso de tudo esmagou-a. Antes que pudesse processar o caos, Kira desmaiou, o zumbido de seus implantes se dissolvendo no som de vapor sibilante.

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