Renoir e Dumbledore surgiram próximos ao antigo gabinete telefônico que servia como entrada para o Ministério da Magia.
O vento frio da noite passava entre as ruas desertas, carregando o som distante. Acima deles, o céu parecia cinza demais um presságio em si.
Dumbledore ajeitou o chapéu pontudo e lançou um olhar curioso para o amigo.
"Por que não aparatar direto no átrio?"
"Porque, Alvo, uma entrada silenciosa não causa impacto algum. É preciso dar os sinais, provocar o ar, criar o clima, para que saibam que cheguei antes mesmo de me verem." Renoir sorriu de canto, apoiando-se na bengala. "Aprendi isso com Noco… que, por sua vez, aprendeu com Aline."
Dumbledore soltou um suspiro discreto, cruzando as mãos atrás das costas.
"Entendo que esteja furioso. Depois do que fizeram, é até razoável ensinar uma lição ao Ministério… mas espero que saiba até onde pode ir. Tenho certeza de que Aline também não gostaria que cruzasse o limite."
Ele fez uma pausa e o observou com certa melancolia.
"Afinal, foi ela quem te impediu da última vez."
Por um instante, o olhar de Renoir se perdeu no vazio.
"Não vou cruzar o limite." Respondeu enfim. "Mas isso depende das ações do ministro."
Renoir ergueu a bengala. O ar à sua volta pareceu vibrar, e o Chroma espesso, vivo, quase líquido começou a se agitar. Então ele bateu a bengala contra o chão.
Tuum.
O som reverberou como um trovão abafado. Do ponto de impacto, uma onda de tinta se espalhou pelas ruas, subindo pelos prédios, pelo céu, até se fundirem num vasto domo translúcido.
Renoir olhou para aquilo com admiração, afinal essa cena era idêntica ao do gommage final do jogo expedição 33, causado por Renoir logo após da quebra do monólogo.
Num piscar de olhos, todas as cores desapareceram.
O mundo dentro do domo se desbotou, restando apenas preto, branco e tons de cinza. Como se tudo tivesse mergulhado em um balde de tinta.
Dumbledore observava tudo em silêncio, com o rosto dividido entre nostalgia e apreensão.
Ele reconhecia aquele feitiço.
Renoir o chamava de Gommage.
Dentro do domo, o Chroma se tornava absoluto. Renoir podia ver, sentir e moldar tudo. Apenas bruxos com poderes excepcionais poderiam resistir aos seus efeitos e dentro do domo, Renoir era quase divino.
Mas o que Dumbledore não sabia, era que Renoir atual estava longe desse nível. Além de poder criar poucas criaturas (Gestral e Nevrons), o máximo que ele podia era usar o Chroma para paralisar todos no ministério por dois ou três minutos..
Dois minutos, porém, seriam o suficiente.
"Deve ser o suficiente para causar alguns traumas."
Renoir olhou para o gabinete telefônico, o antigo acesso de visitantes.
"Isso levaria tempo demais," murmurou.
Então bateu novamente a bengala.
Tum!
Uma poça de tinta negra se espalhou no chão à frente deles, rodopiando, ganhando forma.
O líquido se ergueu como uma parede ondulante e girou sobre si mesmo, formando um redemoinho reluzente, um portal espiral de pura tinta.
"Vamos pegar um atalho, Alvo."
Dumbledore arqueou as sobrancelhas, mas o sorriso sereno não desapareceu.
"Espero que não se importe."
"Sem problemas." Respondeu Dumbledore.
Sem mais palavras, os dois bruxos atravessaram o portal, desaparecendo entre as redemoinho negro do Chroma.
***
Alguns momentos antes, dentro do ministério da magia.
O relógio marcava pouco mais das onze da noite quando o Ministério da Magia mergulhou em um silêncio incômodo.
Lá fora, a chuva caía em linhas firmes, como se tentasse lavar a tensão do ar. Nos corredores, feitiços de segurança reluziam em azul, e os detectores de Chroma vibravam levemente após a ativação repentina horas antes.
O som constante da chuva se misturava ao zumbido mágico das paredes, como se o prédio inteiro respirasse medo.
No andar superior, Cornélio Fudge andava de um lado para o outro dentro da sala de reuniões principal. O chapéu verde pendia torto sobre a cabeça, o suor marcava-lhe a testa e o olhar nervoso denunciava um medo que ele tentava esconder sob uma fachada de autoridade.
Em cima da mesa oval, um pequeno cubo prateado pulsava com luzes coloridas. O detector de Chroma emprestado por Elias Thorne.
"Isso continua reagindo, ministro." Disse um bruxo de túnica cinza, observando os reflexos do cubo nas paredes. "A frequência está se intensificando."
Fudge engoliu seco.
"Sim... sim, eu sei disso."
Ele se virou para os outros presentes. À sua frente estavam os chefes de departamento, conselheiros e alguns veteranos do Ministério — pessoas que conheciam o nome Renoir Dessendre não por lenda, mas por memória.
Entre eles, Amélia Bones, de postura impecável e olhar firme, e Rufus Scrimgeour, com os braços cruzados e a expressão pétrea de quem preferia enfrentar um exército de Comensais a lidar com o Artífice.
Dolores Umbridge, envolta em seu casaco rosa, foi a primeira a quebrar o silêncio.
"Ministro, com todo respeito, creio que estão exagerando. O senhor mesmo disse que esse tal Renoir desapareceu há meio século. Se está mesmo voltando, talvez devêssemos recebê-lo com nossa formalidade." Dolores sorriu com autoconfiança. "E talvez convencê-lo a compartilhar o segredo do Chroma."
"Formalidade?" interrompeu Rufus, a voz grave ecoando pelo salão. "Umbridge, se Renoir Dessendre decidir entrar por aquela porta, nenhum auror neste prédio será capaz de impedi-lo."
"Voce fala como se estivéssemos diante de um deus." Dolores arqueou as sobrancelhas.
"Para alguns, ele era um." A voz de Amélia soou calma, mas cortante. "Minha mãe o conheceu, Fudge. Se ele estiver irritado com o Ministério, não há protocolo que vá salvá-lo."
"Chega." Fudge parou de andar e apoiou as mãos na mesa. "Não estamos aqui para discutir como combatê-lo. Estamos aqui para resolver uma situação política."
Ele respirou fundo.
"Ele vai aparecer, certo? Então precisamos mostrar boa vontade. Vamos devolver o que pertence a ele e encerrar isso com diplomacia."
Inicialmente, o ministro tinha o mesmo pensamento que Dolores. Mas após ler os registros sobre o incidente envolvendo Renoir e o antigo ministro, percebeu que subestimá-lo seria um erro fatal.
Ainda assim, a história de como o Ministério, após o desastre, convenceu Renoir a se tornar diretor do Departamento de Mistérios, deu-lhe esperança.
Afinal, se Renoir aceitou dialogar uma vez, talvez o fizesse novamente.
Bartolomeu Crouch, que observava em silêncio, bateu a mão na mesa.
"Fazer isso é simplesmente admitir que o Ministério está com medo."
"Não é medo", respondeu Fudge, tentando soar firme. "É prudência. Se Dumbledore estivesse em meu lugar, faria o mesmo."
Amélia cruzou os braços.
"Dumbledore não teria permitido que o Ministério quebrasse o acordo em primeiro lugar."
"Não foi minha culpa." Fudge desviou. "Foi um erro dos ministros anteriores. Eu apenas... Estou tentando corrigir o erro deles."
O silêncio voltou a dominar a sala, cortado apenas pelo zumbido do detector de Chroma. As luzes pulsavam em ritmo crescente, como um coração impaciente.
Fudge tentou disfarçar o nervosismo endireitando papéis imaginários.
"Onde está Elias Thorne? Ele deveria estar aqui."
"Está no subsolo, supervisionando a retirada das pinturas." respondeu Rufus. "Mas devo alertar, ministro: metade dos funcionários convocados para essa operação já desapareceu. Alguns apresentaram atestados. Outros simplesmente aparataram e sumiram."
Fudge arregalou os olhos.
"Eles fugiram?"
"Sim. E não os culpo." Amélia falou com amargura. "Os mais velhos lembram do que aconteceu da última vez que Renoir ficou irritado. Eles definitivamente não querem relembrar."
Dolores balançou a cabeça, rindo nervosamente.
"Temos sessenta e dois aurores no átrio. Não há motivo para pânico."
O átrio, vasto e espelhado, era a principal entrada do Ministério.
Rufus respondeu sem hesitar:
"Eu apoio a presença dos aurores. Mas duvido que faça alguma diferença."
As palavras pairaram no ar pesado da sala.
Lá fora, um trovão ribombou, e o detector de Chroma brilhou com intensidade tão forte que obrigou alguns a desviar o rosto.
Amélia se levantou lentamente.
"Ministro... ele está vindo. Esse brilho é o mesmo que Elias registrou. Significa que o Chroma atingiu o nível máximo."
Bartolomeu Crouch franziu o cenho.
"Quero ver como ele vai chegar aqui. Todos os feitiços anti-aparatação foram ativados e a rede flu está fora do ar."
"Ele não precisa entrar."
A voz veio da porta. Elias Thorne acabara de chegar, com o rosto pálido e cansado.
"O Chroma está em toda parte. Se ele quiser, o Ministério inteiro se tornará uma tela."
Um arrepio percorreu a sala.
Elias lembrava-se claramente do que acontecera cinquenta anos atrás. Tudo perdeu as cores. Ele sentiu seu corpo se tornando tinta.
Naquele dia, foram Aline Dessendre e Dumbledore que o impediu de transformar o Ministério inteiro em uma pintura.
O silêncio se instalou novamente, denso como o próprio medo. Dolores recuou um passo, involuntariamente.
Fudge respirava com dificuldade.
"Todos fiquem calmos... Thorne garantiu que poderemos conversar." Ele olhou para Elias. "Certo, Thorne?"
"É possível."
Mas ninguém acreditou.
Os relógios das paredes pararam ao mesmo tempo. Um som suave, como o estalar de pinceladas molhadas, preencheu o ar.
Arthur Weasley, que permanecia em silêncio, foi o primeiro a notar as velas perdendo a cor.
"O que é isso...?" Murmurou, assustado.
Uma onda de energia atravessou o prédio, e todos sentiram o ar se tornar denso, espesso, pesado.
Rufus sacou a varinha.
"É ele."
As paredes começaram a ondular, como se o Ministério fosse feito de tinta fresca. O chão se dissolvia em reflexos líquidos, e o cheiro de óleo e verniz tomou o ambiente.
O detector de Chroma vibrou violentamente até se despedaçar em mil fragmentos luminosos.
Amélia ergueu o rosto, o olhar firme, mesmo quando o mundo parecia se desfazer ao redor.
O tempo desacelerou. Cada respiração parecia arrastar séculos.
Fudge olhou em volta, aterrorizado.
"Merlin... o que está acontecendo?"
Então o silêncio absoluto dominou o Ministério.
Num instante, dezenas de funcionários foram transformados em estátuas de tinta, presos em um eterno instante de pavor. Ainda podiam ver, ouvir e sentir, mas em seus corpos e magia haviam estava sendo dissolvidos no Chroma.
Apenas Fudge, Rufus, Amélia, Elias, Barto e Arthur Weasley permaneceram de pé.
A voz de Elias Thorne ecoou pela sala, baixa e tensa.
"Ele chegou."
Saindo da sala de reuniões, viram o átrio tomado por um véu de tinta pulsante. Todos os sessenta aurores haviam sido transformados em esculturas líquidas.
O medo dominou os sobreviventes, mas para aqueles aprisionados no Chroma, o terror era ainda maior.
Um vórtex negro se abriu no centro do átrio, girando como um redemoinho de tinta viva.
Dele emergiram duas silhuetas.
A primeira, iluminada por tons azulados, era Alvo Percival Dumbledore. Sua expressão era séria, quase resignada. Sua presença trouxe um alívio imediato àqueles que ainda podiam sentir esperança.
Mas logo atrás dele, a luz se curvou.
O segundo homem caminhava com passo calmo, apoiado em uma bengala prateada.
O ar ao redor dele parecia respirar cor.
"Como é possível...?" murmurou Elias, incrédulo. "Ele está exatamente igual."
O Artífice havia retornado.
