A chuva continuava caindo, golpeando as janelas da velha mansão com o mesmo compasso melancólico de sempre.
As chamas na lareira tremulavam, projetando sombras longas sobre as paredes cobertas de quadros antigos, todos silenciosos, como se assistissem a uma conversa que o tempo adiara por décadas.
Dumbledore, sentado em uma poltrona de veludo vinho, observava Renoir com a serenidade de quem conhece o peso do passado.
O Renoir, apoiado na bengala, parecia carregar o cansaço de várias vidas. O ar da casa ainda cheirava a tinta seca e madeira úmida, vestígios de uma alma que um dia se recusou a desaparecer.
Depois de um longo silêncio, Dumbledore falou, com aquela gentileza habitual:
"Você quer beber algo, Renoir?"
O Artífice levantou o olhar, surpreso.
Dumbledore sorriu, como se lembrasse de um detalhe antigo.
"Lembro-me de Aline dizendo que, sempre que um amigo estiver triste, deve-se oferecer algo para beber."
"Ela realmente dizia isso... Infelizmente, não abasteço a despensa há uns cinquenta anos, talvez." Renoir sorriu de leve. "Se não me engano, havia uma cafeteria na esquina. Ficava aberta vinte e quatro horas... 'Nocturne Brew', eu acho."
Dumbledore soltou uma risada baixa.
"Essa mesma cafeteria fechou há mais de trinta anos. Uma pena, serviam um ótimo bolo de mel."
"Então sem bebidas." Murmurou Renoir.
"Talvez." Disse Dumbledore, ajeitando os óculos. "Eu posso fazer uma visita rápida a Hogwarts."
O diretor se levantou e caminhou para a saída.
Renoir suspirou e bateu a bengala no chão, murmurando.
"Finite Arcanum."
O feitiço antigo que impedia aparatação se desfez com um estalo seco.
Dumbledore sorriu, e em um instante, desapareceu.
O silêncio voltou.
Renoir ficou imóvel, observando o fogo, o reflexo das chamas dançando em seus olhos.
Quando o som de aparatação preencheu o ar novamente, Dumbledore estava de volta, uma chaleira fumegante flutuando atrás dele.
"Trouxe meu chá favorito. Mistura de hortelã e pétalas de violeta."
Renoir pegou a xícara que se servia sozinha.
Por um tempo, os dois beberam em silêncio.
O som da chuva misturava-se ao crepitar do fogo.
E, por um breve instante, tudo parecia normal — como se o mundo tivesse esquecido das dores que eles carregavam.
"Diga-me, Alvo... como o mundo mudou? E você, o que tem feito?"
Dumbledore apoiou a xícara sobre a mesa, olhando para o fogo.
"Ah, o mundo mudou tanto... e tão pouco ao mesmo tempo. Hogwarts continua firme. As crianças ainda riem nos corredores, e alguns professores ainda reclamam do salário."
"Isso nunca muda." Renoir riu brevemente
"O que mudou... fui eu. Tornei-me diretor há muito tempo."
"Diretor?" Renoir arqueou uma sobrancelha. "Bem, acho que era inevitável. Você sempre foi o professor mais admirado de Hogwarts, depois de mim é claro."
"Eu diria que estávamos empatados."
Ambos riram, um riso breve, carregado de nostalgia.
Mas o semblante de Dumbledore se tornou mais sério quando ele começou a contar sobre os tempos sombrios.
"Depois da sua partida, o mundo mergulhou novamente nas trevas. Grindelwald... foi o primeiro Lorde das Trevas do século. Enfrentá-lo foi quase um pesadelo. Mas era necessário."
"O primeiro?" Perguntou Renoir, embora já soubesse a resposta.
Dumbledore assentiu lentamente.
"O segundo veio pouco depois. Um aluno brilhante, com uma mente extraordinária... mas um coração vazio. Tom Marvolo Riddle. Um ano após seu desaparecimento."
Renoir se inclinou para frente, realmente surpreso.
"Por pouco não o conheci, então."
O olhar de Dumbledore tornou-se distante. "Eu vi algo nele... e, ao invés de guiá-lo, o isolei. Talvez houvesse uma chance, mesma que pequena, de salvá-lo."
Renoir, que sabia muito bem sobre Voldemort, tinha certeza absoluta que era impossível trazer Tom Riddle para lado bom, o cara era mau muito antes de entrar no mundo mágico. Renoir tinha certeza que mesmo sem magia ele seria um assassino em série.
Mas mesmo sabendo disso, Renoir tinha que confortar seu amigo.
"Você estava sob muita pressão contra Grindelwald, para se preocupar com um aluno, Alvo. Não se culpe tanto."
Por alguns segundos, o silêncio entre eles pareceu um bálsamo. Mas Renoir quebrou o momento, com a voz baixa e curiosa.
"Alvo... alguém chegou a desvendar meu legado? Ou ao menos aprender algo com ele?"
Dumbledore ergueu as sobrancelhas, surpreso.
"Seu legado? Eu... não sabia que você havia deixado um."
"Não sabe?" Renoir se endireitou, confuso. "A pintura Chromatica. Ela não está em Hogwarts?"
O diretor balançou a cabeça.
"Até agora, eu nem sabia que tal obra existia."
"Impossível. Antes de deixar o cargo no Departamento de Mistérios, eu permiti que o Ministério estudasse a pintura Chromatica. Depois disso, deveria ter sido levada para Hogwarts." Renoir franziu o cenho. "Talvez, Armando Dipper tinha escondido?"
Dumbledore ficou em silêncio, pensativo.
"Armando Dippet não teria escondido algo assim. Se seu legado estivesse em Hogwarts, ele me avisaria. Afinal, sou o diretor."
Renoir se lembrava bem da conversa, ele havia dito ao ministro que esse era o último desejo de Aline, mas que deixaria o ministério estudar temporariamente a pintura Chromatica e depois ela deveria ser enviada para Hogwarts.
Um ato de confiança.
E ele confiou.
Dumbledore ficou em silêncio por um instante. Seus olhos se estreitaram, a expressão mudando lentamente conforme as peças se encaixavam.
Um silêncio espesso caiu entre os dois.
O estalar do fogo parecia distante.
Dentro de Renoir, algo começou a se mover, um desconforto sutil, primeiro como uma vibração leve no peito.
E então, veio o pensamento.
Um só.
Cruel, inevitável.
'Eles ousaram ignorar o último desejo dela.'
Aquelo veio de dentro dele, atravessando sua alma como uma lâmina fria.
Seu coração acelerou, a mão apertou involuntariamente a bengala.
O Chroma respondeu, primeiro de forma quase imperceptível, uma leve distorção na luz da lareira, as cores ganhando uma tonalidade mais intensa.
O vermelho tornou-se mais vivo, o dourado das molduras vibrou, e um sutil brilho azul escapou de suas pupilas, cintilando como tinta líquida.
Renoir respirou fundo, tentando se conter.
Mas a raiva não era dele.
Ela vinha de algum lugar mais fundo, parecia que uma parte do verdadeiro Renoir ainda deveria em algum lugar nele.
'Sentimentos que não deveriam ser meus... de novo.' Pensou, levando a mão à têmpora.
Mas era tarde.
A cor ao redor ganhou vida própria. As sombras começaram a se mover nas bordas da visão, a madeira do piso rangeu sob uma força invisível, e o ar se encheu de estática, o cheiro de ozônio e tinta fresca misturados.
Mesmo sabendo que aquela fúria vinha de outra vida, Renoir também ficou irritado com o ministério.
O verdadeiro Renoir havia dado ao Ministério conhecimento, poder e confiança, em troca, haviam traído seu gesto de boa vontade.
Ele os ajudou a avançar, o ministério não podia pelo menos atender o último desejo de Aline?
[Missão adquirida: A Fúria do Artífice.
Mostre pela segunda vez ao Ministério porque Renoir Lucien Dessendre já foi chamado de Arquimago.]
[Recompensa: Picto — Vitalidade Melhorada.
Recompensa bônus baseada no impacto das suas ações no mundo mágico.]
A notificação cintilou diante dele, dissolvendo-se em faíscas coloridas.
O Artífice ficou parado, encarando o vazio, tentando processar tudo.
Sabia que o sistema expedicionário era inspirado em Clair Obscur, mas não esperava por pictos.
Pequenos artefatos que concediam habilidades passivas, efeitos constantes que fortaleciam corpo e magia. Alguns tinham efeitos extremamente milagrosos, como reviver uma vez durante a batalha. Simples e poderosos.
Enquanto Renoir ainda lutava para se acalmar, Dumbledore o observava com crescente apreensão.
Ele não podia ver o Chroma, mas sentia a magia dos arredores se agitar violentamente, como se a própria casa tivesse prendido a respiração.
O fogo vacilou, as chamas se tornaram azuladas por um instante, e o chão pareceu pulsar sob seus pés. O ar ficou denso, carregado de energia e lembranças.
Dumbledore se lembrou da última vez que o Ministério ousou pisar no calo de Renoir.
Aline ainda estava viva naquela época, e foi preciso a intervenção dela para conter o furioso Artífice.
Sem Aline, a simples ideia de tentar impedi-lo parecia algo assustador. A dificuldade havia aumentado a níveis alarmantes.
Dumbledore sabia disso.
Sabia também que, se metade do que Renoir lhe contara sobre o tempo que passara na Tela fosse verdade, tentar detê-lo pela força seria inútil e perigoso.
O poder de Renoir não era o mesmo de antes, era refinado, profundo, como o de alguém que viveu séculos estudando a própria essência da magia.
E, no fundo, Dumbledore reconhecia uma verdade amarga.
Mesmo sendo o bruxo mais poderoso do mundo, ele já não estava em seu auge.
O corpo já não respondia como antes, a varinha pesava mais nas mãos.
Renoir, por outro lado, parecia ter tomado um caminho oposto, ao invés de declinar, havia se tornado ainda mais forte com o tempo, como se a morte e a reencarnação tivessem apenas polido o diamante que ele sempre fora.
O velho diretor inspirou fundo, tentando manter a serenidade.
Sentindo a magia ao redor se estabilizar por um instante, Dumbledore soltou um leve suspiro, aliviado, achando que Renoir havia suprimido sua raiva.
Mas ele estava enganado.
Renoir não a suprimiu, mas sim a comprimiu, condensando-a ao máximo.
Era como observar uma tempestade sendo empurrada para dentro de uma garrafa.
As paredes da mansão vibravam em silêncio, e as chamas da lareira tremulavam em tons de vermelho profundo, tocadas pelo Chroma em fúria.
Quando finalmente se levantou da poltrona, o ar pareceu vibrar junto. As molduras estremeceram, e o chão rangeu sob seus passos.
"Desculpe pela falta de educação, Alvo," disse Renoir, com voz fria e controlada. "Mas preciso fazer uma visita ao Ministério."
Dumbledore ergueu o olhar, a preocupação evidente.
"Posso perguntar o porquê?"
"Para mostrar ao Ministério, pela segunda vez, o que Renoir Dessendre é capaz de fazer."
Ainda mais apreensivo, Dumbledore tentou intervir.
"Veja, Renoir, o ministro da época..."
"Graças a eles, eu quebrei a promessa que fiz no leito de morte de Aline." Renoir o interrompeu, continuando a caminhar em direção à porta. "Você precisará de mais do que palavras para me impedir, Alvo."
O velho diretor suspirou, resignado.
"Vou com você. Entendo que precisa recuperar o que é seu, mas espero que não cruze o limite, Renoir. Afinal, o culpado foi o Ministério de décadas atrás."
Dumbledore não queria lutar contra o antigo amigo, mas, se fosse preciso, ainda o faria.
Renoir também não desejava um confronto, mas parte dele ardia de curiosidade. Ele desviou o olhar por um instante.
Bem no fundo, Renoir queria testar o próprio poder, medir-se contra alguém como Dumbledore. Mesmo não chegando perto do auge absoluto do verdadeiro Renoir, ele ainda estava confiante de que conseguiria pelo menos um empate contra o bruxo mais forte da atualidade.
Então Renoir suavemente ergueu a mão e uma pintura surgiu, então a tinta da tela derreteu e se espalhou pelo ar dando forma a uma criatura de madeira, usando uma grande mochila.
"Um Gestral?" Dumbledore lembrava vividamente dessa criaturinha.
O gestral olhou para os lados, confuso, mas assim que viu Renoir gritou alegre.
"Estamos finalmente fora, mestre?"
"Sim, Noco. Estamos fora da Tela." Renoir disse sorrindo.
Noco foi uma das únicas lembranças da sua esposa, afinal ela quem o ensinou tudo que ele sabe. Mesmo que ele pareça um pirralho, ele é tão velho quanto o próprio Renoir.
"Cuide da mansão, Noco. Tenho que sair um pouco."
"Noco, nunca disse? Sou o melhor cuidador de mansões de todos!" Disse ele, orgulhoso. "Pode contar comigo!"
Suspirando, Renoir saiu da mansão.
"Então vamos indo, Alvo."
"Estou logo atrás, Renoir."
Assim ambos sumiram com um estalo agudo.
Deixando para trás uma mansão onde as cores ainda pulsavam... E um Gestral que realmente não sabia como cuidar de uma mansão.
