Cherreads

Chapter 7 - Fragmentos de um poder esquecido

Kenji abriu os olhos devagar. O ar estava perfumado por ervas secas penduradas no alto, e, no canto do quarto, uma lamparina de óleo lançava um brilho brando sobre as paredes de pedra clara. A cama de madeira era forrada com um colchão de algodão e lençóis limpos, mas seu corpo latejava de dor.

Ele murmurou:

— O que foi que aconteceu?

— Onde estou?

— No hospital, certo?

— Lembrei que estava com o senhor Tomoji...

A lembrança do velho ferido no chão veio à tona e um tremor percorreu seu peito.

O toque frio das ataduras cintilantes em azul indicava magia de cura. Kenji tentou se sentar, mas a dor o jogou de volta sobre o colchão macio. Na cabeceira, potes de barro e frascos de vidro se alinhavam em prateleiras simples, testemunhas silenciosas do trabalho dos curandeiros.

Ryota ergueu-se de uma cadeira rústica e segurou o ombro do amigo.

— Kenji não se mexe muito.

— Você ficou mal naquela noite.

Os olhos brancos dele refletiam preocupação.

Kenji arregalou os olhos e perguntou:

— Como assim naquela noite?

— Não foi ontem?

— E o senhor Tomoji… onde está ele?

Antes que Ryota respondesse, uma voz ranzinza rompeu o silêncio:

— Que barulheira é essa? Um velho não pode descansar em paz?

Kenji virou-se e viu Tomoji deitado em outra cama de madeira, a cabeça envolta em ataduras e o corpo parcialmente coberto por faixas. No susto, exclamou:

— Uma múmia! Cuidado Ryota!

Ele tossiu forte, o peito ardendo.

Tomoji bufou, irritado:

— Seu idiota, quem você acha que está chamando de múmia?

— Ainda bem que trouxe minha bengala.

Ryota tentou acalmar:

— Kenji, para de se mexer ou suas feridas vão reabrir.

Ainda ofegante, Kenji insistiu:

— Ryota, o que rolou naquela noite?

— Minhas lembranças estão borradas…

Ryota se encostou na parede lisa e explicou:

— Vi um demônio caído no caminho da fábrica.

— Corri até o portão, que tava travado por algo pesado.

— Vi luz entrando pelo teto e subi.

— Quando ouvi seu grito, saltei pro armazém e encontrei o senhor Tomoji em perigo.

Tomoji cruzou os braços, mesmo sentindo dor:

— Vocês precisam ter mais cuidado. E se tivessem morrido?

Ryota deu de ombros:

— Foi por pouco, mas o Kenji me surpreendeu.

— Aposto que foi o senhor que derrubou aqueles demônios.

A cortina de linho que separava o quarto se abriu e entrou o doutor Vangears. Vestia túnica simples e carregava um bastão com cristais na ponta.

— Isso seria impossível se não falássemos de alguém da linhagem celestial.

Tomoji riu seco:

— Achei que médicos cuidassem só dos ferimentos, não do passado.

O curandeiro sorriu e completou:

— Um homem de quase cem anos com vigor de sessenta desperta suspeitas.

— Tive de usar magia de quinto círculo pra sedar você.

O velho suspirou:

— Herdei o poder celestial, mas já o passei ao meu filho.

— Ele morreu na última guerra contra demônios e hoje restou só a casca.

Vangears examinou os curativos encantados:

— Ainda assim sua presença é imponente, senhor Tomoji.

Tomoji retrucou:

— Você também carrega uma aura forte demais pra um simples curandeiro.

O doutor fechou o livro de registros:

— Por hoje é só.

— Ryota, pode se retirar.

— Os pacientes ainda não têm alta.

Ryota assentiu e se despediu:

— Beleza, vou indo.

— O senhor Tomoji tá fora de perigo e o Kenji já acordou.

A lamparina oscilou com a brisa que entrou pela janela aberta.

No silêncio que se seguiu, Kenji sussurrou:

— Senhor Tomoji, o senhor parece melhor hoje e o dia tá bonito…

Tomoji estreitou os olhos:

— Vai direto ao ponto Kenji.

Ele engoliu em seco:

— Quanto tempo se passou?

— O que aconteceu de verdade naquela noite?

— E o poder celestial… o que é exatamente?

O velho respirou fundo e falou com solenidade:

— Preste atenção. O poder celestial multiplica a força de um guerreiro por dez vezes.

— É dádiva de um deus antigo, passada à minha família há cento e cinquenta anos.

Fez uma pausa; a voz embargou:

— Depois de trinta anos de uso, o corpo se exaure tanto que, sem transferência, o portador morre de exaustão térmica.

— Meu filho recebeu esse poder aos dezoito.

— Dois anos depois, demônios invadiram nossa casa.

— Ele tentou proteger a família e morreu junto com esposa e netos.

— Foi o dia mais triste da minha vida.

Kenji baixou a cabeça, tocou as ataduras sobre o peito e disse com a voz trêmula:

— Poxa… sinto muito senhor Tomoji. Eu nem imaginava.

— Nem dava pra saber, seu idiota — rosnou Tomoji, mudando de assunto.

— Agora, sobre a aura…

Kenji franziu a testa:

— Aura? O que exatamente é essa aura de que falam?

Tomoji bufou e explicou:

— Basicamente, é o poder da alma.

Tudo que exige foco vem da aura, que libera um pouco do poder interior de cada um. Quando deuses e demônios chegaram, o corpo humano precisou se adaptar ou morrer. Em muitos, a adaptação virou doença — como a que deixou sua irmã em coma. Em outros, virou força.

Essa mistura transformou algumas pessoas em anormais. Elas são classificadas por categorias: D, C, B, A, S e, raramente, SS — aqueles capazes de liberar quase toda a aura do corpo. Mas, na maioria das vezes, tentar alcançar esse nível… acaba mal. Eles geralmente morrem.

More Chapters