CAPÍTULO 1 — O BEBÊ QUE LEMBRAVA DEMAIS
O choro ecoava baixo.
Fraco.
Curto.
Quase… contido.
Não era o choro desesperado de um recém-nascido.
Era o choro de alguém que já sabia que gritar não mudaria nada.
Os olhos do bebê se abriram lentamente.
O teto acima dele era velho, rachado, manchado pelo tempo. A luz que entrava pela janela era fraca demais para aquecer. O ar tinha cheiro de pano úmido, poeira e abandono.
— …Então é aqui.
A mente estava clara.
Clara demais para um bebê.
Ele tentou mover os dedos. O corpo respondeu com atraso. Os músculos eram fracos. O coração batia rápido demais. A respiração era curta.
Frágil.
Irritantemente frágil.
Este corpo não suportaria nem um único resquício do que eu fui.
A lembrança veio como um golpe silencioso.
Um trono solitário.
Um palácio vazio.
O QI rasgando o corpo por dentro.
O poder absoluto… tornando-se veneno.
Ele havia morrido.
Não em batalha.
Não traído por inimigos.
Mas traído pelo próprio corpo.
Eu morri…
O bebê fechou a mão com dificuldade.
Ele não sentia mais o QI esmagador que fazia o mundo se curvar à sua vontade. Aquela energia absoluta… não existia mais.
Mas algo diferente estava ali.
Espalhado pelo ambiente.
Mana…?
Não era QI.
Era mais suave. Mais obediente às regras do mundo. Ainda assim, fluía por tudo, como um rio silencioso.
Instintivamente, ele tentou tocá-la.
A dor veio no mesmo instante.
Um choque atravessou o corpo pequeno. O coração disparou. A visão escureceu por um segundo.
— Ngh…!
O choro voltou — desta vez real.
Não de medo.
De frustração.
Entendi…
Este mundo não permite excessos.
Nem mesmo no primeiro passo.
Passos se aproximaram.
Uma mulher cansada surgiu ao lado do berço. As roupas simples denunciavam alguém que já cuidara de crianças demais… e perdera quase todas para o mundo.
Ela o pegou no colo sem carinho, mas também sem crueldade.
— Shhh… vai ficar tudo bem — murmurou, sem convicção.
Mentira.
Ele reconhecia mentiras facilmente.
Algo frio tocou seu peito.
Um colar.
Simples. Antigo. Sem valor aparente.
Junto dele, um papel dobrado.
A mulher o abriu e leu em silêncio.
— Matheus… — disse em voz baixa. — É só isso que deixaram pra você.
O nome ecoou dentro dele.
Matheus.
Sem títulos.
Sem glória.
Sem história.
Na vida passada, eu tinha o mundo inteiro…
E não tinha um nome.
O bebê sentiu o colar contra a pele.
Algo ali reagia.
Não com poder.
Mas com contenção.
Um selo.
Interessante…
Alguém se certificou de que eu não quebrasse este mundo ao nascer.
Ele relaxou o corpo, fingindo cansaço.
A mulher o colocou de volta no berço e se afastou.
O quarto voltou ao silêncio — interrompido apenas pelos choros distantes de outras crianças abandonadas.
Matheus abriu os olhos mais uma vez.
O teto rachado não se parecia em nada com um palácio.
Ainda assim…
Desta vez…
eu não vou correr atrás do topo.
Vou aprender a sobreviver.
Os olhos se fecharam.
E pela primeira vez desde a morte…
Ele dormiu.
