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Chapter 4 - Capítulo 4: Cidade das Sombras e dos Rios Tristes

O dia era triste, não por causa do céu que às vezes até estava azul, mas por causa das horas que se arrastavam carregadas de ausências. Os irmãos pequenos de Maisa ainda brincavam, ainda corriam em direção ao mar nas manhãs em que o sol beijava a areia. Riam, construíam castelos que as ondas levavam, como se a infância pudesse, por instantes, ser mais forte que a pobreza.

Mas o mar tudo levava.

Não apenas os castelos de areia, mas também os restos de esperança que teimavam em brotar na beira da água.

Maisa estava melhor da queda, mas as condições em casa continuavam a apertar como um nó no peito. O amor, pensava ela, não fazia mais sentido se fosse só um "eu te amo" dito no escuro. O amor verdadeiro, na sua realidade, era a riqueza de quem não tem nada: era a mãe dividindo um pedaço de pão em três, era o pai guardando a camisa do professor como relíquia, era o silêncio que protegia mais que palavras.

Lá fora, a cidade era um retrato partido.

Os médicos mal recebiam, e muitos pacientes eram deixados à espera. Alguns profissionais ainda atendiam por amor, mas outros cobravam por fora, em conluios sombrios. A corrupção tinha o rosto cansado de quem já nem se lembrava do juramento de salvar vidas.

Crianças perambulavam pelas ruas, algumas pedindo esmola outras revirando lixo em busca de qualquer coisa comestível. Havia pessoas de todas as idades entre os rejeitados, uma triste humanidade marginalizada. Bebês eram vendidos nos hospitais, abandonados por pais desesperados ou gananciosos. Houve quem dissesse que médicos mentiam, declarando crianças mortas para depois vendê-las no mercado sombrio. Mães, em desespero, abortavam por não terem como alimentar mais uma boca.

Velhotes e homens perversos sequestravam crianças. Violavam, e em muitos casos matavam para não deixar testemunhas. Mas eles não dormiam em paz — as ruas à noite eram frias e assustadoras, cheias de crimes e assaltos. Pais saíam de madrugada para trabalhar, alguns nunca mais voltavam. Roubados, espancados, às vezes mortos. Em casa, os filhos choravam de fome e medo.

De dentro das casas, ouviam-se gritos de sofrimento. Vizinhos escutavam com o coração apertado, mas pouco podiam fazer. A miséria era uma corrente que prendia todos, cada um lutando pela própria sobrevivência.

Numa dessas noites sombrias, uma rapariga chamada Nicky vendeu-se por dinheiro. Não por querer, mas por necessidade. Foi levada para uma casa escura, e quando pensou em pedir socorro, ouviu a ameaça:

— Vou matar-te.

Ela ajoelhou-se, o medo paralisando-lhe a voz. Depois do ato, tremendo, tentou negociar a própria vida:

— Vou voltar sempre que o senhor quiser… só… só não me mate.

O homem sorriu, malicioso.

— Está bem. E não digas à polícia, ou a tua família sofre.

Nicky correu. Correu até tropeçar numa pedra e cair na lama. Sujou-se toda, mas levantou-se e continuou a fugir, desaparecendo na escuridão, uma sombra entre sombras.

Jovens rebeldes, viciados em drogas e álcool, perdiam-se nas discotecas e bares. A cidade à noite era um lugar de desespero disfarçado de música alta e luzes piscantes. De dia, as cicatrizes ficavam à vista: lixo, pobreza, olhares vazios.

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