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Chapter 7 - Capítulo 6 – Ecos Elementais

O sol nascia sobre a planície, e o ar ainda carregava o frescor da noite.Lucius estava sentado em silêncio, observando Friaren tentar reunir mana do ambiente.Ela fechava os olhos e estendia as mãos, concentrada.Pequenas partículas azuladas começavam a se mover em direção a ela — o início da absorção elemental.

Lucius falava com tom calmo, mas firme:"Todo mago precisa entender isso antes de qualquer coisa.O poder mágico vem do mundo, não de você.Você apenas o filtra através da sua alma.E a alma tem limites.Um mago só consegue absorver e transformar a mana do ambiente até o nível da própria alma."

Friaren o olhou com curiosidade."Então... se minha alma for de nível 1, meu poder mágico também será de nível 1?"

"Exato," respondeu ele. "A alma é o núcleo.Se o núcleo for fraco, o corpo e a mana se desfazem.Mas se for forte, até um sopro pode se tornar um raio."

Lucius estendeu a mão. O ar ao redor dele começou a vibrar, pequenas fagulhas douradas surgindo e desaparecendo."Quando você absorve mana, não é força bruta — é sintonia.Você chama o poder do mundo, e ele vem porque reconhece sua alma."

Friaren tentou novamente, respirando fundo.A mana começou a se mover em espirais mais estáveis.Lucius observou, satisfeito."Boa... está aprendendo rápido.Seu controle é natural, como se o mundo confiasse em você."

Enquanto isso, a alguns metros, Aurus — o lobo de pelagem cinzento-escura — observava em silêncio.Desde a luta na estrada, ele estava diferente.Os olhos dourados tinham um brilho profundo, e às vezes pequenas rajadas de vento giravam ao seu redor, mesmo quando o ar estava calmo.

Lucius percebeu e virou o olhar."Interessante... o fluxo de mana o está afetando também."

O lobo ergueu a cabeça, orelhas atentas, e o ar pareceu se curvar levemente em torno dele.Friaren interrompeu o cultivo, sentindo a mudança."Aurus... está tudo bem?"

Lucius se levantou, observando atentamente."Não o interrompa. Ele está despertando algo... algo que estava adormecido desde o nascimento."

A pelagem de Aurus se eriçou, e o vento começou a girar em torno de seu corpo.Mas, diferente de uma magia instável, o fluxo era constante e ritmado — quase como respiração.Um segundo elemento se misturava ao ar, escuro e denso, como fumaça em movimento.

Lucius cruzou os braços."Vento e trevas. Dupla afinidade desde jovem, mas sua alma estava incompleta.Agora que absorveu memórias e fragmentos de outras almas através de mim... o elo se completou."

O brilho ao redor de Aurus aumentou. Por um instante, uma marca luminosa apareceu sobre seu peito — um símbolo em forma de espiral cortada, com uma linha escura atravessando o centro.Lucius sorriu de leve."Uma linhagem de besta rara... isso é o emblema de uma Fera de Vento Sombrio.As lendas dizem que eram mensageiros entre o céu e as sombras, extintos há milênios."

Friaren se aproximou, assustada, mas o lobo apenas abaixou a cabeça, ofegante.Seu corpo tremia, mas o olhar estava calmo.

Lucius ajoelhou-se ao lado dele e colocou a mão sobre a testa do animal.A alma de Aurus pulsava com energia viva, densa — poderosa demais para um lobo comum."Não há confusão, não há caos... só força.Ele não enlouqueceu porque herdou parte da estabilidade da minha alma."

Friaren olhou surpresa."Você compartilhou... sua alma com ele?"

Lucius assentiu."Um fragmento purificado, sim.Quando ele absorveu as memórias que eu preparei, a alma dele se moldou em volta disso.Agora ele despertou o que já estava escrito no sangue."

O ar ao redor se acalmou.Aurus respirava fundo, o peito subindo e descendo lentamente.O brilho de seu corpo desapareceu, mas os olhos agora tinham duas tonalidades distintas — dourado e cinza profundo, como o encontro do dia e da noite.

Lucius sorriu."Bem-vindo, Aurus.Agora você é, oficialmente, uma besta mágica desperta."

Ele se levantou e explicou calmamente a Friaren e Lyara:"O poder das bestas é medido em estrelas, assim como o dos guerreiros.Aurus agora é uma besta mágica de nível 3, mas sua linhagem rara permitirá que evolua além do comum.Com o tempo, ele poderá atingir o nível Santo... se sobreviver ao próprio crescimento."

Friaren acariciou o lobo, que rosnou suavemente, mas de forma dócil."Então o que ele sentia... era a alma tentando se ajustar à nova força?"

"Sim," respondeu Lucius. "A alma dele se expandiu.E como toda expansão, vem com dor e aprendizado."

Lucius se virou para ela e acrescentou:"Lembre-se disso, Friaren.A força da alma define tudo — o poder mágico, a percepção, o controle.Um mago de nível 2 precisa de uma alma de nível 2.Não há atalhos. Só entendimento e paciência."

Ela assentiu em silêncio, olhando para o lobo adormecido."Então ele... e eu... crescemos juntos, de formas diferentes."

Lucius olhou para o horizonte, pensativo."Sim. É assim que o mundo funciona.Cada um desperta o que sempre teve — só precisa do momento certo."

...

O amanhecer tingia o céu com tons dourados quando Lucius abriu os olhos.O acampamento ainda dormia — Friaren enrolada no cobertor, Aurus encolhido próximo à fogueira, e Lyara montando vigia em silêncio.Ele respirou fundo, sentindo o ar frio da manhã invadir seus pulmões.

— "Um novo dia, uma nova chance de crescer."

A frase escapou de seus lábios quase como um mantra.Lucius se levantou e caminhou alguns metros até um campo aberto.Ali, ajoelhou-se e colocou a palma da mão sobre o solo úmido.O poder do mundo respondia — lento, pesado, mas presente.

Ele fechou os olhos e começou a sentir o fluxo de mana.Agora, ao invés de apenas absorver, ele refinava.Cada partícula de mana passava pela sua alma e voltava purificada, densa, transformada em poder mágico próprio.

"Absorver é fácil," murmurou para si mesmo."Mas refinar... é como lapidar um diamante com as mãos nuas."

Friaren se aproximou, sonolenta, segurando o cajado improvisado que usava para treinar."Você já começou tão cedo?"

Lucius sorriu levemente."Dormir demais enferruja o espírito."

Ela se sentou na relva, observando atentamente o que ele fazia."Está refinando mana, não é?"

"Sim," respondeu. "Você já aprendeu a absorver. Agora deve aprender o passo seguinte."

Ele estendeu a mão, e pequenas partículas de mana começaram a fluir entre os dedos — primeiro azuis, depois douradas."Quando a mana entra, passa pela alma.O que não pertence a você precisa ser expurgado.Só o que ressoa com o seu ser pode permanecer.Isso... é o que chamamos de poder mágico puro."

Friaren assentiu, concentrada."É como separar o som do ruído."

"Exatamente," respondeu Lucius, sorrindo."E quanto mais forte sua alma, mais pura será sua magia."

Enquanto Friaren praticava, Lucius afastou-se alguns passos e sacou uma lâmina simples — forjada de aço comum, mas equilibrada.Ele a havia comprado na última vila, apenas para testar uma ideia.

Fechou os olhos e sentiu o peso do metal.Cada movimento era lento, metódico, quase meditativo.

"Um guerreiro não luta contra o corpo, luta com ele," pensou."E o corpo responde melhor quando sente propósito."

Lucius começou a girar a espada, controlando o fluxo do douqi em cada músculo.No início, o ar ao redor tremeu levemente.Depois, quando ajustou a respiração, o movimento se tornou natural, como se o corpo e a lâmina fossem uma única extensão.

O douqi fluía como rios de energia dourada sob a pele, reforçando ossos e tendões.A cada golpe, o ar cortava com um som sutil, preciso.

Lyara, que observava de longe, comentou em voz baixa:"Ele é pequeno... mas luta como um veterano."

Lucius parou por um momento, limpando o suor da testa."Controle," murmurou. "Não é força o que move a lâmina, e sim a intenção."

Ele se virou para Friaren, que ainda praticava absorção de mana."A magia segue a alma, a espada segue o coração."

Ela abriu um pequeno sorriso."E o seu coração segue o quê?"

Lucius hesitou por um instante, olhando o horizonte."O silêncio," respondeu. "É nele que tudo se equilibra."

Aurus se aproximou, curioso, a pelagem agora com reflexos sutis de sombra e vento.Lucius o observou, pensativo."Você sente também, não sente?A gravidade aqui é mais densa."

O lobo rosnou baixo, como se confirmasse.

Lucius se abaixou, pegando um punhado de terra.Ele fechou a mão e deixou que o pó escorresse entre os dedos."O elemento terra é o mais estável, mas também o mais profundo.E dentro dele... há a gravidade."

Friaren o observava com interesse."Você pretende usar isso?"

Lucius assentiu."Sim. Se eu puder manipular a gravidade com poder mágico, posso aumentar a pressão sobre meu corpo.Assim, o treino do douqi se tornará mais eficaz."

Naquela manhã, ele se sentou novamente e concentrou poder mágico no ar ao redor.A energia da terra respondeu lentamente, densa e resistente.Com esforço, ele fez uma esfera invisível de pressão surgir ao redor de si mesmo.

A gravidade aumentou.Seu corpo pesava mais, o ar se tornava denso, e até respirar exigia controle.

Lyara, assustada, deu um passo à frente."Você vai se machucar!"

Lucius sorriu de canto."Não... estou apenas sentindo o mundo me empurrar de volta."

O chão sob ele cedeu levemente, marcando a força do campo gravitacional.Friaren observava em silêncio, os olhos brilhando."Ele está treinando o corpo com o próprio peso do mundo..."

Quando a energia finalmente se dissipou, Lucius caiu de joelhos, exausto mas satisfeito.Seu corpo tremia, mas o olhar era sereno.

"Cada passo, uma respiração.Cada respiração, um universo.É assim que o corpo entende o poder."

Ele levantou-se com esforço, apoiando-se na espada.A alma pulsava firme, estável.Dentro dele, a magia e o douqi cresciam em harmonia — dois rios que nunca se cruzavam, mas seguiam lado a lado.

Friaren aproximou-se e sorriu discretamente."Você parece cansado, mas... tranquilo."

"Estou," respondeu ele."Porque cada gota de suor é um degrau."

Aurus se deitou aos pés dele, e Lyara trouxe água, sem dizer palavra.O grupo permanecia unido, cada um crescendo à sua maneira — sob o mesmo sol, sob o mesmo silêncio.

...

O crepúsculo caía lentamente, tingindo o mundo de tons dourados e lilás.Lucius e Friaren estavam sentados diante de uma pequena fogueira, enquanto Lyara alimentava as chamas e as gêmeas dormiam próximas a Aurus, que respirava pesado, exalando pequenas ondas de energia escura a cada suspiro.

O ar estava calmo — o tipo de calmaria que antecede o entendimento.

Lucius observava o fogo em silêncio.Havia dias que ele não sentia necessidade de falar.Tudo o que precisava aprender parecia vir naturalmente, conforme a alma se ajustava ao novo corpo e o corpo respondia à disciplina.

Mas aquela noite era diferente.Ele olhou para Friaren, que concentrava-se em absorver a mana do ambiente.

A jovem garota estava serena, mas o fluxo de poder ao redor dela era... instável.O vento se agitava, as brasas tremulavam — um sinal de que o elemento ainda a dominava mais do que o contrário.

Lucius respirou fundo e se aproximou."Friaren," chamou em tom suave. "Você está forçando o fluxo. Está tentando comandar a mana... mas a mana não obedece."

Ela o olhou, confusa."Então como se faz?"

Lucius sentou-se ao lado dela, tocando o solo."Você não ordena o mundo, você conversa com ele."Fechou os olhos. "Sinta primeiro... e absorva apenas o que responde ao seu chamado."

Friaren imitou o gesto, inspirando devagar.Aos poucos, o ar se acalmou.As chamas voltaram a dançar em ritmo natural, e a energia que antes se dispersava começou a se concentrar em torno dela.

Lucius continuou, com voz serena:"Pense na sua alma como um espelho.A mana que é sua refletirá naturalmente.Aquela que não é... passará direto."

A respiração dela se aprofundou.A temperatura do ar mudou.Lucius abriu os olhos e pôde ver a aura de Friaren se expandindo em tons de azul e dourado — os elementos de água e relâmpago, em equilíbrio pela primeira vez.

Um leve sorriso surgiu nos lábios dele."É isso. Deixe fluir."

O tempo passou em silêncio.Somente o som das brasas e da respiração ritmada de Friaren preenchiam o ar.A magia começou a condensar-se dentro dela, e Lucius podia sentir a alma dela vibrar — como se algo estivesse prestes a se abrir.

De repente, uma centelha percorreu o ar, seguida por uma leve brisa que envolveu o acampamento.Lucius fechou os olhos e sentiu."Você... conseguiu," murmurou. "Seu poder mágico subiu para o nível 2."

Friaren abriu os olhos lentamente.O brilho em suas íris parecia mais intenso, e o ar ao redor dela parecia responder ao menor movimento.Ela sorriu, mas sem arrogância — apenas um contentamento silencioso.

"Foi como... respirar pela primeira vez," disse.Lucius assentiu. "É assim que deve ser. O crescimento verdadeiro nunca é uma explosão... é uma respiração mais profunda."

Mais tarde, enquanto Friaren descansava, Lucius permaneceu acordado, observando o céu estrelado.A alma dele sentia-se estável, e o poder mágico, equilibrado.Mas havia algo no ar — um chamado distante, quase imperceptível.

Ele olhou para Aurus, que dormia com a cabeça apoiada sobre as patas.A pelagem do lobo refletia tons de prata e negro, e a respiração dele pulsava com um ritmo profundo, diferente.Lucius percebeu: a linhagem da criatura estava despertando lentamente.Não por acaso — mas por causa das memórias e fragmentos de alma que ele havia partilhado.

"Aurus..." murmurou, quase em prece. "Você está trilhando seu próprio caminho também, não é?"

O lobo abriu um dos olhos, como se entendesse.Um brilho suave percorreu suas presas, e por um instante, Lucius viu — não um animal comum, mas a sombra de uma antiga linhagem, talvez esquecida pelos homens.Algo entre o vento e as trevas... algo livre.

Ele sorriu, satisfeito."Parece que não sou o único que carrega ecos de outros mundos."

Na manhã seguinte, o grupo se reuniu.Lyara havia decidido seguir com eles — a aldeia próxima era apenas um descanso.O destino agora era uma cidade maior, onde poderiam vender materiais, aprender e se misturar entre os humanos.

Lucius olhou para o horizonte, onde o sol nascia, tingindo o mundo com luz suave.O vento balançava as folhas e o som da floresta parecia mais distante.Ele sentia, pela primeira vez, que o caminho estava se abrindo.

"Vamos," disse calmamente."Nosso próximo passo é o mundo."

Friaren ajeitou o cajado, Lyara pegou suas filhas pela mão, e Aurus avançou na frente, farejando o ar como um guia.O grupo caminhou em silêncio, o mesmo silêncio que sempre acompanhava o início de algo grandioso.

"Não é o poder que nos define, mas o que fazemos quando o mundo começa a ouvir nossas vozes."

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