O túnel ainda cheirava a terra molhada e suor humano. O esforço de três meses de escavação ecoava nas paredes em forma de respirações ofegantes e mãos calejadas. Havia pouco antes uma explosão de alegria: crianças rindo, chorando e se abraçando, acreditando que o pesadelo finalmente tinha chegado ao fim. Mas, como uma sombra que rasteja sobre a luz, o som de passos pesados abafou toda euforia.
Primeiro foi o toc, toc, toc compassado de botas contra a pedra. Depois, o grunhido rouco de um cão. Um latido seco cortou o ar, fazendo os menores gritarem baixinho, instintivamente se agarrando uns aos outros. A esperança recém-nascida estava sendo esmagada pela aproximação do inimigo.
Jaden respirava fundo, a mão direita enfaixada ainda latejando do esforço anterior. Ele ergueu os olhos para Camilla, que tentava manter uma postura firme, mas a sombra das lanternas improvisadas denunciava o tremor de seus lábios.
— Eles estão aqui — Jaden sussurrou, baixo o bastante para que apenas ela escutasse.
Camilla mordeu o lábio inferior, depois ergueu o queixo. — É uma patrulha. Sabíamos que isso podia acontecer, mas... não agora.
— E agora? — Marcus, pálido, apontou para a entrada estreita do túnel de fuga.
Camilla demorou alguns segundos para responder. Quando o fez, sua voz saiu mais dura do que pretendia: — Não vamos conseguir sair todos de uma vez. O túnel é estreito... e o barulho vai nos entregar.
As crianças mais novas começaram a chorar baixinho. A mais pequena, uma garotinha de apenas nove anos, perguntou com voz tremida: — Eles vão nos matar, não vão?
Ninguém respondeu.
O eco dos passos agora se misturava ao tilintar metálico de armas. A cada segundo, o som ficava mais próximo, como se a própria caverna respirasse junto aos invasores.
Jaden sabia o que isso significava. Ele fechou os olhos por um segundo e lembrou da Emily, do orfanato, da promessa que fez a si mesmo. Ele não podia deixar que tudo terminasse ali.
— Escutem — ele disse, firme, erguendo a voz para que todos ouvissem. — Eu vou ficar.
Camilla arregalou os olhos. — Não! Você não vai se sacrificar, Jaden.
— Não é sacrifício — ele rebateu, mais duro. — É estratégia. Vocês precisam fugir. Eu sou o único que pode segurar eles por alguns minutos.
O silêncio foi imediato. Até os menores entenderam. Camilla balançou a cabeça, mas seus olhos marejaram.
— Não vou deixar você sozinho.
— Vai, sim. — A raiva na voz de Jaden não era contra ela, mas contra a situação. — O objetivo é a liberdade de vocês. Se todos ficarem, todos morrem.
Marcus, trêmulo, puxou o braço dela. — Camilla... ele tá certo.
O coração dela se partiu, mas ela sabia que era verdade. Com lágrimas escorrendo discretamente, ela pegou a mão de Marcus e começou a guiar o grupo para o túnel. Alguns olharam para trás, como se implorassem a Jaden que fosse junto, mas ele apenas assentiu em silêncio.
Então ficou. Sozinho.
O corredor principal da caverna explodiu em luz quando uma lanterna elétrica se acendeu, revelando um homem enorme. O rosto estava escondido por uma máscara em formato de lobo. As roupas eram de combate, escuras, cheias de bolsos e tiras. Na mão esquerda, segurava firme a guia de um Rottweiler musculoso, que rosnava com os dentes à mostra.
A voz grave do homem ecoou pela pedra:
— Então é você... o ratinho que estava cavando túneis.
Jaden não respondeu. Apenas firmou os pés no chão e levantou a adaga que carregava. O coração parecia querer escapar pela boca, mas sua mente repetia como um mantra: proteger o grupo, proteger o grupo, proteger o grupo.
O cão foi o primeiro a avançar, latindo furioso. Jaden desviou para o lado, sentindo o bafo quente e fedorento do animal passar rente à sua orelha. No impulso, chutou uma pilha de caixas improvisadas, derrubando-as sobre o bicho. O Rottweiler recuou, assustado, latindo ainda mais alto.
O mascarado aproveitou a distração e investiu. Veio como um touro, rápido demais para o tamanho que tinha. Jaden rolou no chão, escapando por pouco de ser esmagado contra a parede. O som do impacto ecoou como um trovão, lascando pedaços da rocha.
O garoto levantou-se rapidamente, aproveitando a agilidade. Lembrou das técnicas que tinha visto nos diários e dos poucos instintos de sobrevivência que adquirira. Quando o homem tentou golpeá-lo com um soco direto, Jaden abaixou-se e cravou a adaga na lateral da perna dele.
O mascarado grunhiu, mas não caiu. Pelo contrário, o ferimento só pareceu deixá-lo mais furioso.
Outro homem surgiu do corredor, também mascarado. Dessa vez, um de porte mais esguio, mas armado com uma barra de ferro.
Dois contra um.
O suor escorria pela testa de Jaden. Seus músculos tremiam de adrenalina e medo. Ele era só um garoto de 11 anos, mas não podia deixar isso importar agora.
O segundo tentou acertá-lo de lado. Jaden ergueu o braço e sentiu o impacto vibrar pelo corpo inteiro. A dor latejou, mas ele aproveitou a proximidade para desferir um golpe rápido com a adaga, cortando o antebraço do inimigo. O homem largou a barra, gritando.
Sem hesitar, Jaden pegou a arma caída e girou o corpo, acertando um golpe no pescoço do esguio. O som foi seco, assustador. O homem caiu de joelhos, com os olhos vidrados.
Jaden congelou por um instante. Aquilo... aquilo tinha sido demais. Ele sabia que o golpe fora forte demais. O homem tombou, inerte. Morto ou inconsciente, não importava. A culpa já queimava como fogo dentro do garoto.
Não teve tempo de refletir. O mascarado maior veio novamente, agora mancando, mas com uma força animalesca. Ele agarrou Jaden pelo pescoço e o ergueu do chão, como se fosse um brinquedo.
O garoto se debateu, o ar sumindo. O Rottweiler, recuperado, corria em círculos, rosnando.
Com um último impulso de desespero, Jaden cravou a adaga no tronco do homem, torcendo a lâmina. O mascarado gemeu, os olhos arregalando de surpresa e dor. A força em sua mão diminuiu, e Jaden caiu no chão, arfando.
O grandalhão ainda tentou outro soco, mas já estava fraco. O garoto, com um grito primal, usou o cotovelo para acertar o pescoço dele, derrubando-o de vez. O corpo caiu pesado, levantando poeira.
O silêncio que veio depois foi ensurdecedor.
Jaden ficou parado, o peito subindo e descendo rapidamente. O cão, assustado, fugiu pelo corredor. Ele olhou para os corpos no chão e sentiu as pernas tremerem. A adrenalina se dissipava, e no lugar, vinha o peso brutal do que tinha feito.
— Eu... eu matei... — murmurou, olhando para as mãos sujas de sangue.
A adaga escorregou de seus dedos. Ele caiu de joelhos, lutando para respirar. Não era vitória, era horror. Não era força, era sobrevivência. E ele tinha apenas 11 anos.
— Jaden? — uma voz fraca soou atrás dele.
Ele levantou a cabeça. Camilla, os olhos marejados, estava ali.
— Marcus... — ela soluçou. — Ele atraiu o cão para longe... mas eu não o encontrei mais.
Jaden fechou os olhos. Mais uma perda. Mais um peso para carregar.
Sem dizer nada, ele pegou a mão dela. Ainda trêmula, mas firme. Juntos, correram para o túnel.
O caminho era estreito, claustrofóbico. A cada metro, a terra parecia querer engoli-los vivos. Mas o som das sirenes no fundo os empurrava para frente. Quando finalmente emergiram, a sensação foi estranha.
Não havia o céu azul que imaginavam. O sol estava escondido atrás de uma camada grossa de poluição. O ar cheirava a lixo, podridão e fumaça.
Jaden caiu de joelhos, sentindo a terra fria sob seus dedos. Era liberdade. Mas era amarga.
Ele olhou para a mão ainda suja de sangue e pensou: sobrevivi... mas a que custo?
Ao longe, as sirenes gritavam. E ele sabia: aquilo não era o fim. Era apenas o começo do jogo mortal.
[FIM DO CAPÍTULO]